Um dia, num restaurante,
Fora do espaço e do tempo,
Serviram-me o amor como dobrada fria.
Disse delicadamente ao missionário da cozinha
Que a preferia quente, que a dobrada
(e era à moda do Porto)
Nunca se come fria.
Impacientaram-se comigo.
Nunca se pode ter razão, nem num restaurante.
Não comi, não pedi outra coisa, paguei a conta,
E vim passear para toda a rua.
Quem sabe o que isto quer dizer?
Eu não sei, e foi comigo...
Eu não sei, e foi comigo...
(Sei muito bem que na infância
De toda a gente houve um jardim,
Particular ou público, ou do vizinho.
Sei muito bem que brincarmos era o dono dele.
E que a tristeza é de hoje).
De toda a gente houve um jardim,
Particular ou público, ou do vizinho.
Sei muito bem que brincarmos era o dono dele.
E que a tristeza é de hoje).
Sei isso muitas vezes,
Mas, se eu pedi amor, por que é que me trouxeram
Dobrada à moda do Porto fria?
Não é prato que se possa comer frio,
Mas trouxeram-mo frio.
Não me queixei, mas estava frio,
Nunca se pode comer frio. Mas veio frio.
(Álvaro de Campos. Fonte: Jornal de Poesia)
Explêndido!
ResponderExcluirTexto lindão!
ResponderExcluirEngraçado que teimei com alguém que era de sua autoria...
"Não Monique, não é do seu amigo.Eu conheço autor."
Não. O autor é uma das vozes de Pessoa (está citado entre parênteses).
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